terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Heterodoxia

Quando até Medeiros Ferreira se apieda do Governo, está tudo dito...

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

2010, 2012


Aproxima-se o fim do ano, pelo nosso calendário.
Votos de continuação de Boas Festas, e de um 2010 excelente.
Entretanto, fui ver o filme 2012 e gostei. Sim senhor. Remete para essas situações-limite, em que só as atitudes éticas têm valor, e com consequências graves e imediatas. Descontando as mil e um inverosimilhanças, etc., etc., não deixa de ser um convite à imaginação pensarmos como seria começar tudo (quase) de novo. Que regras estabeleceríamos? Valeriam os depósitos bancários nos bancos afundados dos EUA ? A Constituição continuaria em vigor (essa parece que sim...)?
É a imaginação utópica a trabalhar... sempre com importantes resultados, até para nos conhecermos melhor.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Veia Poética


Depois dos excelentes, amadurecidos e sofridos, desse sofrer sábio, quase degustado, que sobre o Natal escreveu o saudoso David Mourão-Ferreira, ainda se pode escrever a sério e com algum decoro sobre o Natal? Lembro um outro poema, esse de Ruy Belo. Grandes poetas, esses. Era interessante que se escrevesse um belo poema inteligente e calmo sobre o Natal. Que não fosse presépio só cascata, nem rabanadas só doces, nem pobrezinhos só com frio e fome.
Desafiemos as Musas.

(Na imagem: Menestrel de Natal)

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Outros poisos

Não menos heterodoxos, este e este.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Jornada inicial...

A deste post e a deste grupo parlamentar também. Num momento em que mesmo alguém tão ponderado como Almeida Santos apela publicamente ao bom senso de todos, custa ver como o grupo parlamentar perdeu deputados do nível de Maria Carrilho, José Lamego e Arons de Carvalho para guardar os que cultivam «bocas regimentais» (sic!) e comentários sobre esquizofrenia durante os trabalhos das comissões parlamentares. Assim, não há dramatização que seja legitimável.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

EVOLUÇÃO


EVOLUÇÃO

Estou optimista primário
Creio na evolução
E não por ser Centenário
Desse barbas Darwin, não.

O facto ressalta à vista:
‘Inda há ‘penas um pouco
À espera no dentista
Sentando mal amanhado
Falando fanhoso e rouco
Um símio bem desdentado
Ares e gestos d’arrivista
Fazia orelhas de mouco
À sua ordem na lista.

O magano era primata
Mas sapiens não era não
Lá esganava a gravata
Mas nem chá d’educação.

As enfermeiras, coitadas
São como anjos do céu
E devem estar treinadas
P’ra evitar muito escarcéu.

Lá foram levando o bronco
‘té lhe deram melhor vez
E de dez à sua frente
Ficaram apenas três.

Sempre com ar macacal
Foi a consulta pagar
Vai logo de reclamar
Da extracção dum queixal.

Nisto surge aparição
Uma vampe d’alto porte
Toda bamboleação
E com trejeitos de corte.

Filh’era do macacão
Por um capricho da Sorte
Ou fado d’evolução.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Discursos, métodos, metodologias e implementações teóricas: a frieza da alma na ausência do coração.



O amor está barrado na academia. A violência com seus dados bárbaros, sim, esta pode entrar. Podemos teorizar a cerca da barbárie, mas o amor, ah, o amor, este não tem lugar no campo teórico. Este, pensava eu, é o problema do pensamento científico. Eivado de razão, esqueceu os sentimentos. Perdeu o sentido. Para contrapor os dogmas da fé, perdeu-se em novos dogmas de verdade científica.

Que ciência é esta que mede os sentimentos? Impossível ciência.
Entretanto, para minha felicidade, novos apelos acadêmicos surgiram e achei: sim, eis o caminho, redescobrimos o amor como ferramenta de alteridade, como possibilidade de reverter o processo de lobotomia moderno a que nos submetemos! Há aqueles que housam teorizar sobre o amor, mesmo correndo o risco de ser contestado em suas terias e métodos! Vivas!

Porém, ledo engano. Velhas idéias borradas com novas tintas metodológicas ainda vazias de sentimento nada podem mudar.

Não. Não há como teorizar sobre o amor. É preciso sentir, vibrar, pulsar latente o coração que ama.

O amor em si mesmo, como mero objeto de análise romântica, não significa nada senão um discurso político-ideológico de muitos acadêmicos, mestres e doutores do saber, que com sua vaidade crêem ter encontrado o Santo Graal. Arriscam indicar metodologias alternativas, novas implementações teóricas sobre o amor e a necessidade de alteridade, de mudança, de respeito, de diversidade. Novas concepções sobre o amor, a sensibilidade, a humanidade e seus direitos “humanos”.

Brados por novos espaços de sensibilidade se abrem, como se nós, pobres e falíveis mortais, pudessemos ensinar ao outro e nos abrir através de seu discurso de sensibilidade. Sim, porque esta construção teórica acaba parando nas mãos e no nome deste ou daquele pensador que nos fala a alma que, repleta de sonhos e desespero ante a frieza metodológica das relações do cotidiano, anceia novas possibilidades que permitam o retorno a nossa criança íntima. Ele nos fala do nosso desconhecido, do nosso obscuro desejo de felicidade.

Como uma harpa encantada, ecoa cânticos que nos embriagam a alma e nos deixam apaixonados por suas teorias sobre o amor e a alegria. Teórico e teoria se confundem em nossos sentidos ainda dormentes agora despertos mas ainda embriagados pela melodia. Eis nosso ledo engano.

Ao nos abrirmos ao encantamento embriagante do vinho amoroso que nos serve imaginamos que o anfitrião é alguém também repleto de sensibilidade e amor. Esquecemo-nos de nossa condição humana e falha. Nos abrimos ao amor e esperamos ser amados. Buscamos a alegria contagiante do encontro mágico amoroso proposto.

Mas o amor não está nas belas palavras. Está na real capacidade de sensibilidade e solidariedade com o outro. Está nas ações que não necessitam ser teorizadas nem descritas. Está no que se sente mas também no que se faz.

Na ausência de alma teórica, o homem velho que habita em nós ainda banha a nova teoria, mesmo que pintada em lindas e coloridas cores e matizes. O encanto do velho mago se desfaz nas suas atitudes e nos deixa nus diante da indiferença científica. A frieza da alma na ausência do coração nas práticas do dia a dia vem a tona como um banho frio que nos acorda para a realidade. Tristeza nos percorre neste instante.

Mas nada está perdido. Eis que mesmo assim, avançamos. Embora ainda estejamos envolvidos pelo frio científico coração em nossas percepções, assim como o velho mago, somos agora homens melhores que antes, mais conscientes da verdadeira necessidade de amar. Despertamos para o fato de que o amor e o respeito a alteridade não são apenas elementos teóricos a serem defendidos em belas teses e discursos do dever ser. Precisam ser uma construção de ações e relações humanas na implementação concreta de um novo dia. Mesmo falhando na implementação, já reconhecemos o caminho e diante desta nova cartografia, quem sabe cheguemos um dia a encontrar nossa Ilha desconhecida.

O homem velho ainda habita em nós, mas podemos sempre, aperfeiçoá-lo amoravelmente. Necessária é a presença do coração e o aquecimento da alma nas ações que construirão e manterão as relações amorosas de que tanto necessitamos.



Andréa Wollmann

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Pontos nos ii

.

Durante uns minutos deixei ficar apenas um "." como postal, como mensagem.
Depois, achei que deveria dar uma explicação.
Esse ponto é o ponto no "i" que tem faltado.
Na verdade, esse é um de muitos pontos que precisam de ser colocados em muitos "ii".
Falta muito uma higiene mental e de discurso. A polémica anda abaixo de zero.
Em muitos casos, não se discutem ideias. Vociferam-se pseudo-sentimentos, que são recalcamentos, complexos, pulsões, explodindo ao pretexto da visão, ainda que ao longe, de elementos de tribos inimigas.
Estamos tribais. Estamos agressivos.
Estão outros, que não quero pertencer a essas tribos... Mas respeito-as a todas. Embora algumas pouco merecessem...

Serenidade, razão, lucidez, frieza, e pontos nos ii. Ou a barbárie.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

del alma mía


Um colega historiador chamou-me incidentalmente a atenção, numa conversa de café, para um livro de Isabel Allende, Inès del Alma Mía, romance histórico de uma heroína da fundação do Chile. Folheei-o no Brasil. Alguém leu, e o que acha? Historicamente, será aceitável, haverá anacronismos graves? Esse sempre o meu medo do romance histórico. A narração na primeira pessoa é interessante, viva. Confesso que me aventurei num tipo de literatura que me não é costumeira.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Novo texto do prof. Paulo Cunha

Hoje venho indicar para Leitura um texto do Prof. Paulo Ferreira da Cunha: Do direito natural ao direito fraterno. O texto está publicado na revista vrtual da UNISINOS, que tem excelência na área.
O linck de acesso é o abaixo especificado.
http://works.bepress.com/pfc/52/
Vale a pena a leitura.
Sempre bom acreditar na possibilidade de uma Fátria, uma união entre irmãos.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Chocolates, Suíças e Tentações ou a Lei da Atracção/Absorção



Kadhafi sentencia: Suíça para a Alemanha, França e Itália!
Fim da Suíça, retalhada, trincada e devorada num festim da vizinhança gulosa.
E a Madeira e o Gibraltar e as Canárias e Mayotte? Se a moda pega…

Kafft K.

domingo, 19 de julho de 2009

Breve intrudução...



Venho participar deste espaço de idéias na esperança de que meu pensar possa contribuir de alguma forma para o leitor. Mas a bem da verdade, escrever é um ato solitário, cujo objetivo não é outro senão o expressar daquilo que sente o escritor. Interessante porém, notar, que a figura do leitor é necessária, sem o qual, nada do que está escrito fará qualquer sentido. Mesmo nas nossas frases soltas, a alteridade é permanente. Somos aquilo que conseguimos expressar, ou o resultado do que se o expectador consegue compreender? Como diz Warat, só existimos a partir da percepção do outro e nos reconhecemos neste diálogo. Começo pois, a dialogar, e nesse monólogo, exponho a jóia mais preciosa que posso possuir, meus desejos secretos, a imagem dos meus dragões interiores... que venham meus interlocutores.
Começo, exercitando minha veia poética...



Interroga ação...

E, se eu não desejar ficar?
Se tudo que busco, for o incerto?
E se o meu querer for
possibilidade da troca incessante...
fluxo da vida
correr, ter asas, voar...
Se não suportar a dor de andar
a passo vagaroso,
necessário
ao te acompanhar...
Se da vida,
o que procuro
é existir...
E se não buscar ser permanente,
sólida, presente...
mas eterna, como lembrança?
Se desejar a constante
dúvida diante da certeza
posta, morta, imutável... incerta.
Que será?
se o que quero não me permitir ficar...
se teu pranto não me deixar partir?
Serei menos eu, aqui,
pedra, esteio, caminho...
ou só, serei eu..
a voar
pluma... plena
no céu, estrela...
passarinho.

(Andréa Wollmann - 28/06/09)

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Ribakov e, a seguir, Agualusa

Acabo de ler “O Medo” (de Ribakov), logo a seguir à leitura de “Estação das Chuvas” (de Agualusa): um estranho e invisível fio se esconde, a jungir os dois romances (ambos, diga-se a talhe de foice, com elevado potencial cinematogáfico)… Obras marcantes! Impressivas! Deliciosas!

quarta-feira, 15 de julho de 2009

A primeira pedra

Após gentil convite do nosso amigo PFC, é com gosto que damos início a uma participação na senda das heterodoxias Lusófonas. No caso, pensando através da escrita em português. Após esta introdução, explicando o que nos trouxe a este espaço, lançamos a primeira pedra de pensamento.

Desde dia 11 e até dia 19 deste mês, desenrolam-se no distrito de Lisboa os 2º Jogos da Lusofonia, considerado o maior evento da língua portuguesa (tirando a ida de Ronaldo para Madrid), pelo nº de participantes e pelo nº de espectadores (até o Sri Lanka participa), e o segundo maior evento desportivo de uma só língua no mundo, após o inglês, segundo os critérios do Comité Olímpico Internacional. Ao mesmo tempo, vão ter lugar vários eventos culturais. Tudo isto sem o ambiente de festa oficial, que é devida, e sem um reconhecimento pelo facto, lutando a organização com séria falta de verbas. No entanto não faltou dinheiro para os estádios do Euro, cada um muito mais caro do que este evento e com resultados menores, visto que os portugueses existem primeiro através da sua língua, a sua Pátria, como dizia o tão citado, nestas ocasiões, poeta Fernando Pessoa. Só depois vem o resto.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Votar?





Quando o Presidente não preside, o Parlamento não parlamenta, o Governo não governa, o Judicial não é justiça;

Quando o poder mora na boca da bazooka;

Quando os eleitores e os eleitos nada mandam;

Quando eleições, só pagando a Comunidade Internacional...

Eleições para quê?

Que demo-cracia?

Que fazer?


segunda-feira, 29 de junho de 2009

Exortação


Vamos ver se agora, mesmo com a proximidade das férias, o blog, enriquecido com novos membros - a quem se dão, desde já as boas-vindas - ganha mais dinamismo ainda. Não é que julgue que interesse, por si mesma, uma azáfama frenética de postais. Isso até seria cansativo e poluidor, quiçá. Mas temos muito interesse em ouvir a palavra de todos os espíritos livres que aqui se reúnem.
Vamos a isto!? Escrevamos... Comentemos...

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Desacordo ortográfico

De novo muitos críticos do acordo ortográfico. Muito frequentemente com linguagem empolada, ferida, e displicente para com o esforço de uma escrita comum. Na Internet, com toda a liberdade que ela propicia, prevalece um discurso pessoal, do género: "não vou falar pretoguês". Racismo, afinal. Que outra coisa senão racismo, ainda que não apercebido?
Temos dito e repetido: uma reforma ortográfica não muda a Língua. Muda apenas a forma (superficial, epidérmica: formal...) de a escrever, e é uma oportunidade para racionalizar e uniformizar essa escrita. O que tem vantagens no Mundo, que, ao aprender Português acaba afinal por optar sempre pelo português do Brasil, porque (tenhamos ideia da nossa dimensão - pelo menos aos olhos dos outros) o português de Portugal representa 10 milhões ou pouco mais. É curioso que os maiores velhos do Restelo do legítimo e puro português de Portugal estão a condená-lo a ser um dialecto de uma língua sobretudo brasileira.

Claro que custa aprender novas regras a Portugueses e aos demais Lusófonos. Mas o que vai custar a esta geração se ganhará nas próximas. Não é um milagre, mas ajuda à nossa comunidade, à nossa cultura, ao modo de ser que se veicula pelo falar e pelo pensar em português.
Olhem se por dificuldade em fazer contas também tivéssemos sido contra o "Euro" e desejássemos guardar o velhinho "escudo". Não haveria escudo que nos salvasse agora na crise.
Seria bom que ultrapassássemos o comodismo de não reaprender meia dúzia de regras. É curioso como dos dois lados do Atlântico, sem que haja diálogo, as pessoas se negam a querer escrever o português "do outro". Que querem preservar a própria língua. Quando não é de português "do outro" que se trata, mas de uma nova forma, em acordo, que comporta até possibilidades de variantes.

Receio que muito do nacionalismo linguístico que por aí anda não seja mais que comodismo pessoal. Ninguém quer hoje aprender muito. E reaprender a escrita parece uma condenação ao degredo dos bancos da escola elementar, ou primária... como se diz de um e do outro lado do Oceano.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Dos livros caçados

Vai passando a espuma dos dias sobre o episódio da feira de Braga.
Mas o efeito do que lá se passou poderá pesar sobre todos aqueles que se exprimem livremente.
A exploração da livre expressão impõe que se toquem as fronteiras da heterodoxia.
Ser heterodoxo é, antes de mais, ser livre. E não se é livre onde se persegue a diferença.

Braga é uma cidade velha. Não digo antiga, digo mesmo velha.
Porque, para além da urbe que se construiu sobre as ruínas da Bracara, essa Augusta, existe em Braga uma mentalidade que não se usa.
Os patéticos polícias demonstraram uma boçalidade pouco urbana, própria de quem chegou tarde às coisas da cultura e da cidadania. Mas o seu pecado foi o da cedência. O pecado da cedência perante a pequenez videirinha da beatice mal resolvida.
Braga é um sítio onde se caçam livros, ocupação a qual vem no degrau anterior às grandes fogueiras das noites de cristal. Quem caça livros, queima livros. E como sabemos todos da história do século XX europeu, onde se queimam livros matam-se pessoas pelas suas ideias.
Em Braga ainda não se mataram pessoas... Mas o caminho está aberto. Persegue-se a diferença, silenciam-se ideias escritas, agora. Talvez um dia percebam que uma ideia não se mata enquanto existir num homem. E aí, estes mesmos talibans dos bons costumes e da moral (qual moral?) pública quererão matar o portador da ideia.

Cinco foram os exemplares, poderia ter sido apenas um.

Em Braga, trinta e tal anos depois de Abril, envergando a farda da mesma República Portuguesa, feita de todos os homens e mulheres, de todas as raças e crenças, que julgávamos libertada e na senda do progresso, fuzilou-se a liberdade de expressão.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

registo literário

Li recentemente o livro serve de base à exposição. Passo a transcrever o primeiro parágrafo d’ “o remorso de baltazar serapião”, da autoria de valter hugo mãe:
“a voz das mulheres estava sob a terra, vinha de caldeiras fundas onde só diabo e gente a arder tinham destino. a voz das mulheres, perigosa e burra, estava abaixo de mugido e atitude da nossa vaca, a sarga, como lhe chamávamos”.
Toda a história desfiada pelo correr do livro surge despojada de juízos de valor directos. O autor demite-se de o fazer, contando ao invés uma história com todas as suas faces, independentemente da reprovabilidade que pudessem suscitar. Não enche o leitor com convites à sua conversão moral, não caracteriza as personagens de modo a, indirecta embora concludentemente, levar o leitor a “simpatizar” com as mesmas ou, ao inverso, a “detestá-las”, não procura eufemisticamente descaracterizar a linguagem bruta (no sentido de não depurada) e directa do povo que parece verter a crua realidade em que tantas vezes subsiste.
É este, afinal, mais um dos registos possíveis da literatura. Que, se aparentemente nenhum fito visa, na verdade é também intervenção social. E, talvez por isso, conheça um maior eco nas reflexões de cada um. O leitor é mais autónomo, conforma o seu próprio juízo com uma liberdade diferente; o autor desprende-se de veicular as suas concretas considerações.
Trata-se, no entanto, de uma confronto que o autor já prevê no momento em que trabalha a obra. Sabendo a comunidade em que esta será publicada, pode prognosticar quais os efeitos que decorrerão da história que contará. E perante tal cenário opta por colocar uma nova realidade à frente do seu leitor – tantas vezes parece que ganhamos mais um olhar por cada livro que lemos –, para que compreenda uma certa realidade, e para que, perante a mesma, retire as suas próprias conclusões, ao invés de se oferecer os resultados advindos de uma dada reflexão sobre a realidade, para que quem o queira consuma.
Perante a profusão informativa em que nos vemos imersos, com o contínuo oferecimento de heróis e vilões para acarinhar ou lançar à fogueira, é este um registo que faz falta, e que tanto carinho merece no dia de hoje. Tomemo-lo como uma tese (a história, ou melhor, o quadro moral de Baltasar Serapião), façamos a antítese, tiremos a nossa síntese. Coisa pouco cultivada, em tempos pouco virados para a reflexão.
Coloco ainda mais duas citações, retiradas do capítulo três, um pouco ilustrativas da voz do narrador.
“ela haveria de sentir por mim amor, como às mulheres era competido, e viveria nessa ilusão, enganada na cabeça para me garantir a propriedade do corpo. invadirei a sua alma, pensava eu, como coisa de outro mundo a possuí-la de ideias para que nunca se desvie de mim por vontade ou por instinto, amando-me de completo sem hesitações ou repugnâncias. e assim me servirá vida toda, feliz e convencida de verdade”
“os sargas, a vivermos com uma vaca, mas nada de ter uma vaca para que nos trouxesse o leite, se era velha de mais, e nada para que nos aquecesse a casa, se o aldegundes limpava o esterco constantemente e entre a porta e a janela os buracos ventavam o mais que se imaginasse, arrefecidos de interior. era uma vaca como animal doméstico, mais do que isso, era a sarga, nosso nome, velha e magra, como uma avó antiga que tivéssemos para deixar morrer com o tempo que deus lhe desse.”

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Vencidos da Vida, hoje?


Aqui vai uma reflexão teórica, que se coloca à apreciação dos leitores, sugerida pela foto supra.

Há uma mudança de paradigma (e não o digo como banalidade ou moda) na apreciação do legado dos intelectuais.
Pergunto-me se algum grupo como o dos "Vencidos da Vida" poderia sequer alcançar eco de existência futura (histórica) numa sociedade como aquela (efémera e mediática) em que nos enclausuramos. Os "Vencidos da Vida" de ontem foram, na verdade, triunfadores. Hoje um grupo, mesmo "jantante", que lhes fosse idêntico seria, definitivamente, votado ao mais completo silêncio. Tal encerra uma lição relativamente às formas de actuação política (em geral). Por exemplo, quando ontem abandonar um cargo era nobre, denotava desapego ao poder, hoje até qualquer carimbo na mão de burocrata nem depois de morto se larga (e não pela rigidez cadavérica). Porquê? Porque hoje, desgraçadamente, as pessoas são apenas o pedestal, o cargo, o dinheiro em que se empoleiram. Não importa a sua estatura real, mas a que alcança artificialmente. E logo vem a questão: se são estes os dados do jogo, hoje, como jogar outro jogo? Está em discussão, mas a alternativa parece-me ser: ou entrar no jogo, ou sair definitivamente dele - num qualquer movimento de reclusão e saída do "mundo"... Haverá uma "terceira via"?

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Conversas Vadias



Não, não é ao título do programa televisivo do saudosíssimo Prof. Agostinho da Silva a que quero aludir.
É antes, por oposição, por contraste, à forma burocrática e reguladíssima (sem alma e sem cor) que as conversas intelectuais (desde logo as dos artigos "avaliados"e afins) assumiram nos últimos anos. Não mais se pode investigar com paixão e sem plano, relógio de ponto e polícia de giro externo e, logo, interno.

Tenho que confessar que mesmo a ideia, que sugeri, de assegurarmos a regularidade deste blog, através de dias fixos de colaboração que nos imporíamos, já deveria ser tributária de contágio dessas mania. O que impõe regularidade? Porque não haveremos de ser irregulares, aqui, e até omissos?

Portanto, confesso que, depois sobretudo de um extraordinária intervenção do Prof. Doutor Jean Lauand, na cerimónia de entrega do título de Pesquisador Emérito do IJI, há dois dias, na ESDC, em São Paulo, convertido estou, definitivamente, à desordem e à vadiagem intelectual na linha dos melhores.

Ainda bem que não levamos a sério a regularidade. Cada um escreva como e quando lhe apetecer.

Assim o farei eu. E se não o fizermos, pode ser até que estejamos a fazer o melhor possível pela cultura, pela arte, pela civilização e pelo Ser: se estivermos criando, vivendo e sendo. Que são coisas que, livres de obrigação e avaliação, fazem imensa falta.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Uma outra Autarquia


Não quero deixar de enviar o meu postal (e exorto os co-autores a que também o façam, e indiquem os seus dias preferenciais, se possível), apesar da quarentena em que forçadamente estou. Por todas as limitações, limito-me a texto breve:

AUTARKEIA

Lá podes ser uma ilha
Numa pequena ínsula cristalizares
E receberes o correio
Uma vez por mês
Sem Internet, claro.

Lá podes ter a tua casa branca
Como uma colina na minúscula ilha
E crescer para dentro
Dentro dela

Lá podes cultivar
Tua solidão ao sol
E no teu exíguo jardim insular
Colher o vinho dos deuses
E a oliveira da paz

E na tua casinha branca
Branca e azul talvez
Podes receber-te principescamente a ti
E dar festas orgiásticas
Celebrando os mistérios
De seres apenas tu.

(na foto, gato mesmo grego)

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Cidadão ou Homo Sacer?


[Extracto de uma Conversa com Jovens num Círculo de Reflexão Teológica, Algures no Planeta Azul, no ano 2008 d.C.]

Um pensador desta contemporaneidade, de nome Giorgio Agamben [1], centrou os seus holofotes numa categoria de seres humanos chamada homo sacer.
Desde os primórdios da era cristã, pelo menos, que o Direito Romano dogmatizava esta componente social.
Tratava-se de uma categoria de homens qualificada algo bizarramente de «Homens Sagrados».
A estranheza reside nisto: são denominados sagrados, mas são relegados à condição de exclusão e banimento da sociedade, despidos de todos os direitos civis, podendo ser mortos por qualquer um.
O que lhes vale é não poderem ser objecto de sacrifício ritual, pois não valiam nada que merecesse ser sacrificado. São homens que cometeram um tão odioso crime que ultrapassaram a fasquia de uma certa punibilidade: podem ser mortos, mas não sacrificados, de acordo com os ritos estabelecidos.
Estamos em presença de seres biologicamente vivos, mas sócio-político-juridicamente embalsamados.
Na verdade, como entender os homens reduzidos à condição vegetativa de coisas com vida nos campos de concentração hitlerianos? Como ler a Noite de Cristal de 1938 e os progroms contra judeus?
Como entender os refugiados/deslocados de Darfour e os guetos e barracas que pelo mundo vão marcando presença?
Que espécie de cidadania é esta? Que espécies de direitos têm estes seres cujo único sonho é o de sobreviver?
Que tipos de direitos inalienáveis, inatos, naturais são esses (que embelezam textos como a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789 ou a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948 ou o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, de 1966 ou o Pacto Internacional de Direitos Económicos Sociais e Culturais, de 1966) de que são excluídos tantos e tantos seres humanos?
Que tipo de cidadania é esta que se congela no sem-abrigo e que persegue os sans-papier na Europa e os milhares de homens que desesperadamente tentam entrar (de canoas e outras frágeis embarcações) nas Canárias e paragens afins?
Aqui, um parêntesis, só para aventar a hipótese de esse fluxo migratório poder constituir um (re?)povoamento desses arquipélagos geograficamente africanos (a própria União Africana – que conheceu o dia no dealbar do 2.º Milénio – já colocou uma reivindicação a propósito, por exemplo, das Canárias, Açores, Madeira!).
Que cidadania é essa que considera alguns como não-sujeitos?
Que cidadania no espaço de confrontação entre o «Primeiro Mundo digitalizado» e o «”deserto do Real” do Terceiro Mundo» [2]?
Porquê cidadão de plenos direitos [3] e porquê homo sacer banido da comunidade política, se é de respeitar o princípio ético que manda amar o teu próximo?
Isto tudo a desenrolar-se num caldo de contemporaneidade em que muitos vivem o hoje (e hoje é a democracia liberal capitalista) como o fim da história [4] (segundo Francis Fukuyama) e outros enfatizam o choque das civilizações como o sinal dos nossos tempos (conforme professa Samuel P. Huntington).
KAFFT K.
[1] Giorgio Agamben, Homo Sacer, Stanford, CA, Stanford University Press, 1998.
[2] Na feliz expressão (tomada de empréstimo do filme Matrix, de 1999) de Slavoj Žižek (Bem-Vindo ao Deserto do Real, trad. do original Welcome to the Desert of the Real! – de 2002 -, Lisboa, Relógio d’Água Editores, 2006).
[3] Cidadania, recorde-se, que, num crescendo, se foi alargando a todos os súbditos [do império romano, por exemplo (romanos ou bárbaros), a partir do ano 212, com a Constituição Antonina ou Édito de caracala].
[4] Mais uma daquelas proclamações gloriosas e absolutistas que as esquinas caprichosas da História vão desmentindo, confirmando, desmentindo… até que o bom senso nos convença a delas fugirmos.